Entrevistas

Jorge Portugal fala sobre Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira.
 

Professor, consultor, escritor, apresentador de televisão, compositor e palestrante. Jorge Portugal é referência nacional nos temas redação e língua portuguesa. Professor renomado de vários colégios e cursos pré-vestibulares de Salvador proferiu palestras e ministrou cursos em várias empresas, tais como: Petrobras, Copene, Rede Bahia e IRDEB. Apresentou o programa Aprovado, da Rede Bahia, destinando aos estudantes da rede pública estadual e, atualmente, está à frente do programa da TV Educativa É Bom Saber. Integrante do Conselho Consultivo da AMAFRO, em entrevista exclusiva, aborda, entre outras coisas, sobre a importância pedagógica do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira.

1 - Qual a importância para Salvador sediar o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira?
 

Salvador tem todas as credenciais para sediar o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira. Talvez nenhuma outra cidade no Brasil tenha essas prerrogativas, até porque, Salvador é a cidade que tem o maior contingente populacional dos negros fora da África. Esta seria a razão básica para que isso ocorresse aqui. Além do mais, nós temos todo um respeito pela nossa cultura, pela nossa herança cultural. E o museu, nos termos em que ele vai ser montado, um museu dinâmico, tem tudo para melhorar ainda mais essa relação que é altamente positiva e fecundada.
 

2 - As linguagens artísticas, como o teatro e a dança, serão muito utilizadas no decorrer do museu. O MUNCAB será um museu espetáculo?

Esse museu vai trazer para dentro dele algo que as ruas da cidade de Salvador já conhecem demais. As pessoas aqui são loucas por música, conversam cantando. A arte está tão impregnada no DNA do negro, do afro-descendente, e isso é um fato comum da própria alma da cidade de Salvador. Esse museu vai dar um direcionamento, um ponto de reflexão sobre tudo isso, vai ser um investigador da antropologia dos fatos, enfim, um centro de estudos dessa cultura viva.

3 - E você acha que a partir desse dinamismo, desse museu espetáculo, os estudantes das escolas públicas serão mais atraídos, mais contemplados com esse novo museu?
 

É justamente isso que vai atrair esses estudantes. A ideia de um museu é de um lugar soturno, com pessoas antiquadas, onde há coisas antiquadas para serem vistas. Ninguém tem nenhum tipo de estímulo para ir, sair de sua casa um dia à tarde e ir para um lugar desses. Quando você pensa em um museu vivo, onde você vai ver música, dança, cinema, onde você vai conhecer a história, onde você vai viver ali a sua cultura, todos vão morrer de vontade de ir visitar o MUNCAB. A sociedade baiana vai ver filas sendo formadas na porta do MUNCAB.

4 - Essa relação do museu-escola, como seria?

Acho que todo museu, na verdade, é uma grande escola. Muitas vezes, ele pode ser mal comunicado, muitas vezes há um equivoco enorme na cabeça das pessoas da função de um museu. Mesmo quando apenas ele expõe coisas, não faz nada mais que isso, já é uma escola! Existe ali uma comunicação de um determinado passado, um determinado período histórico, que as pessoas precisam conhecer para não repetir os erros no presente. E um museu-escola que já nasce com essa mentalidade, através da dinamização das linguagens, do teatro, música, dança, etc. Enfim, é a escola dos sonhos de qualquer pessoa e de qualquer educador. Eu conheço a experiência do Museu Afro Brasil lá em São Paulo e é um sucesso fantástico. Eu não consigo ir à São Paulo e não visitar o museu Afro-Brasileiro. Vamos ter um pouco disso aqui na Bahia.

5 - Então, o MUNCAB vai acabar se tornando uma área de lazer, de discussão da cidade?

Vai sim. Vai se tornar um grande point cultural da cidade. Eu ouso dizer que daqui para frente, quando estiver pronto, em funcionamento, vai ser o maior local de concentração, de reunião, de troca de conhecimento e de saberes das pessoas ligadas à cidade.
 

6 - Além disso, podemos concluir que o MUNCAB será mais um espaço de afirmação da comunidade negra, de derrubada de estereótipos?

Uma coisa feita nessa magnitude, com esse valor, mostrando nessa dimensão a herança cultural do negro, tudo aquilo que ele construiu para a grandeza desse país, só aumenta a autoestima. Quando você pensa em coisa para negro é aquela coisa miudinha, pequena, feita improvisadamente. Nós vamos construir o museu à altura da dignidade, da importância do negro no Brasil.

 *Entrevista feita por Jaqueline Barreto/ Assessoria de Comunicação MUNCAB


 

Entrevista concedida ao Jornal do Olodum - Revolta dos Búzios


Por Juliana Costa


Apaixonado pela história da Bahia, Luís Henrique Dias Tavares - historiador e escritor - concedeu ao Jornal do Olodum esta entrevista emocionante. Com 85 anos dedicou mais de 50 deles em pesquisas sobre a participação baiana no processo de independência do Brasil. É professor emérito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-doutorado pela Universidade de Londres. Dentre suas obras estão História da Bahia e A Independência do Brasil na Bahia, além de contos, crônicas e novelas.

Natural de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo baiano, casado com dona Laurita e pai de três filhos, o professor nos recebeu em casa com muita simpatia. Leia os melhores momentos desta apaixonante aula de história.


1- Qual a importância atual da Revolta dos Búzios e quais lições ela pode dar para as lutas políticas e sociais dos nossos dias?

A sedição de 1798, como prefiro chamar por ser um ato que desafiava a autoridade do rei de Portugal, foi um dos maiores movimentos armados de luta pelo fim da escravidão, pela independência da Bahia com Portugal e pelos direitos do trabalhador. É preciso que todos saibam que os baianos também estão na construção da independência do Brasil. Mas apesar das lutas, a escravidão não acabou. Ainda existe a exploração humana pelo ser humano e isso ainda precisa ser mudado.

2- Por que o senhor considera importante pesquisar aspectos regionais do nosso passado?

Para valorizar a diversidade que existe em nosso país. O Brasil foi construído pelos brasileiros, dentre eles, os escravos e seus descendentes. Também é necessário compreendermos que para chegarmos a esta realidade levou-se muito tempo, com muitas lutas, muitos sacrificados e muitos mártires. Afinal, as lutas dos estados fazem parte do nosso país.

3- Quem eram os homens mortos na Revolta dos Búzios? Qual o perfil de cada um deles?

Sentenciados a forca foram somente quatro homens: Lucas Dantas de Amorim Torres, Manuel Faustino de Santos Lira, Luiz Gonzaga das Virgens e João de Deus do Nascimento. Considero Lucas Dantas o grande sedioso de 1798. Eles eram jovens negros e pardos – a maioria dos revoltosos. Lucas Dantas, assim como Luiz Gonzaga, era soldado e estava indignado por receber salários menores que os outros soldados, por ser filho de escrava. Lucas trabalhava com madeira e fazia cacetetes. Era vizinho de Manoel, um jovem de 18 anos, afilhado de uma senhora de engenho. Como Lucas sofria preconceito procurava adeptos para lutar contra a escravidão. João de Deus era alfaiate. Ele e Luiz Gonzaga eram filhos de escravos, mas libertos há muito tempo. Gonzaga já era alfabetizado e foi ele quem concentrou pessoas para pegarem em armas e paus e lutarem contra a condição que o país estava.  É importante destacar que o movimento também reunia intelectuais, comerciantes, militares e proprietários de fazendas de cana e engenhos de açúcar que não estavam satisfeitos com a situação. Essas pessoas tinham facilidade em se informar sobre a Revolução Francesa e a liderança de Napoleão Bonaparte e assim levavam essas informações às reuniões contestatórias.


4- Entre eles havia pessoas do interior da Bahia? Qual o papel do Recôncavo baiano nesta luta?

Sim. Havia pessoas de Santo Amaro, Maragogipe, Cachoeira e São Francisco do Conde. Eles foram muito importantes tanto para esta ação quanto na independência da Bahia, em 1823, acrescentando os municípios de Nazaré das Farinhas, Jaguaripe assim como de Catité e de outros pedaços do sertão e da Chapada Diamantina.

5- Por que a grande mídia, e em especial a historiografia oficial, não dá a Revolta dos Búzios o espaço merecido na luta pela igualdade e transformação do Brasil? Por que a Inconfidência Mineira ficou mais conhecida?

Devido às deformações no ensino da história do Brasil e das diferenças regionais que ainda temos em nosso país. Os estados do sudeste, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais ganharam destaque, principalmente, por causa da proclamação da República. Além disso, tem a questão de que os inconfidentes mineiros, na maioria, pertenciam às classes dominantes e não lutavam contra a escravidão.

6- O senhor considera importante o ensino de histórias regionais nas escolas?

Sim. No caso de 1798 considero este estudo indispensável. É necessário que os alunos leiam e discutam mais sobre isto e que fique claro que a Bahia, assim como outros estados do Nordeste, construiu o nosso Brasil. Que aqui tivemos um movimento muito importante na história. Esse foi o motivo de realizar o meu livro paradidático, sonhando que ele chegue a todas as escolas do nosso Brasil.

7- Neste sentido, como o senhor avalia atualmente o ensino nas escolas públicas do nosso Estado?

O ensino está mal, pois a escola só é autêntica se for em tempo integral. Escolas com apenas 3 horas de duração não são escolas completas. Não basta apenas ensinar o be-a-bá e 1,2,3,4. Os professores precisam ser mais qualificados e transmitir uma educação de orgulho de sermos brasileiros, não importando a cor da pele. Somos todos brasileiros, todos iguais.

8 - A questão racial foi um dos pontos fortes da Revolta e até hoje este assunto é debatido. Como o senhor percebe essa questão nos dias de hoje?

Eu partilho da afirmativa de que todos nós somos brasileiros, não importando a cor da pele. O que importa é que nascemos no mesmo país e construímos a história do Brasil juntos. Infelizmente essa indiferença ainda existe nos dias de hoje.  

9- Qual a importância do Olodum para transformar os líderes da Revolta dos Búzios em heróis nacionais, tendo os seus nomes incluídos no Livro dos Heróis da Pátria?

Fiquei muito feliz com essa conquista. Partilhei com João Jorge dessa luta que foi um grande reconhecimento. O Olodum sempre fez um trabalho belo nessas questões.

10- O que o senhor espera agora depois desta vitória? 

Nesta história ainda há muitas questões que não foram totalmente respondidas, mas eu espero que o reconhecimento continue. (se emociona)

11- A Revolta dos Búzios contava com muitos jovens. Qual o recado o senhor pode passar para os jovens de hoje na luta pelos direitos humanos, sociais e políticos da sociedade?

Acentuo que todos nós somos brasileiros independentes da cor e que construímos a independência deste país. Muitos morreram para chegarmos onde estamos. E a construção do Brasil é permanente.